A
disputa pela "Mina" parecia
animada por crianças ainda lactentes. Aos ouvidos de gente sensata não passaria
de briga por uma bola ou uma boneca. Mas era mesmo gente de barba rija na
jogada e corpos ninfáticos em disputa.
- Aquela é minha. Eu já a acompanho desde os
ensaios e investi bastante para que tivesse esse formato!
A noite levava horas. Quase madrugada. A gala
aprazada para as 21 horas estava atrasada por conta do governante máximo que
tivera uns encontros fora da agenda. Todavia, nem o atraso diminuíam o frenesim
lá dentro. As meninas, todas "trabalhadas a preceito" afugentavam o
fantasma da "inexistência de matéria-prima local e natural com atributos
para ganhar os concursos naturais". Esse era o argumento dos organizadores
do concurso anual que se viam forçados a pescar na mesma lagoa e a enfeitar com
escamas rãs e raias para se parecerem a peixe. Outros defendiam que "nos tempos
do make up só existiria feiura onde inexistisse dinheiro. "Tudo se inventa
e recria. Até a beleza", argumentavam.
Entre os notáveis e os que só iam para comer
sem pagar, os números de presenças eram gordos. Enquanto o "povo em
geral" se contentava com a bancada, as mesas ocupavam a zona mais baixa do
salão, concomitantemente, a mais próxima do espectáculo. Aqui, a visão era
tridimensional. Mesmo assim, duas das mesas dianteiras corriam sempre risco: a
do júris e a da entidade organizadora que ladeavam a cabeceira da pista,
enquanto a dos governante de topo ficava frente-a-frente com o desfiladeiro
onde músicos e candidatos iam fazer vénia antes e depois da apresentação. O
júris e os organizadores eram, regra geral, gentes do povo que levavam a vida,
no seu dia-a-dia, a tratar por chefe e sua excelência um bom punhado de pessoas
com os verbos ser e ter.
E assim, para muitas raparigas desnorteadas
bastava deixar de fazer chichi-na-cama para subir à cama do chefe e se
transformar também em "chefa" no gabinete, no quartel, no partido e
na praça do arreió-arreió. Felizmente, esses tempos não têm volta porque lugar
de criança é na escola e de adultos sem juízo é na cadeia!
Texto publicado no Jornal de Angola/Caderno Fim-de-semana/2018
Texto publicado no Jornal de Angola/Caderno Fim-de-semana/2018